lundi, mai 12, 2008

"Hoje a gente nem se fala, mas a festa continua"

"Você era a mais bonita das cabrochas dessa ala
Você era a favorita onde eu era mestre-sala
Hoje a gente nem se fala mas a festa continua
Suas noites são de gala, nosso samba ainda é na rua

Hoje o samba saiu procurando você
Quem te viu, quem te vê
Quem não a conhece não pode mais ver pra crer
Quem jamais esquece não pode reconhecer

Quando o samba começava você era a mais brilhante
E se a gente se cansava você só seguia a diante
Hoje a gente anda distante do calor do seu gingado
Você só dá chá dançante onde eu não sou convidado

O meu samba assim marcava na cadência os seus passos
O meu sonho se embalava no carinho dos seus braços
Hoje de teimoso eu passo bem em frente ao seu portão
Pra lembrar que sobra espaço no barraco e no cordão

Todo ano eu lhe fazia uma cabrocha de alta classe
De dourado eu lhe vestia pra que o povo admirasse
Eu não sei bem com certeza porque foi que um belo dia
Quem brincava de princesa acostumou na fantasia

Hoje eu vou sambar na pista, você vai de galeria
Quero que você me assista na mais fina companhia
Se você sentir saudade por favor não dê na vista
Bate palma com vontade, faz de conta que é turista"
(Chico Buarque)


Então eu passei, como quem passa do nada.

Daquelas pessoas que ali estavam, fiz questão de ser só mais uma. No começo, parei só para escutar a música. Quando dei por mim, passei só a te observar. Você era o mais bonito dos músicos daquela ala. E eu passei a ser mais do que só mais uma que passava. Era eu quem estava sendo observada. Eu dividia a sua atenção com os instrumentos. Você dividia a minha atenção com o por-do-sol. Resolvi parar, mais uns 15 minutos. Parei o resto da noite sem perceber, e sem saber que pararia o resto de tantas outras noites de verão.

Daí, noites se passaram, como se fossem intermináveis.

Como intermináveis eram os segundos das trocas de olhares, como infinitos eram os instantes que estávamos perto. Fiz um pedestal de cristal imenso para te colocar em cima, te guardar comigo nos meus sonhos. Eu te idolatrava, te enautecia em segredo. Segredos estes, todos revelados no silêncio dos nossos olhares. Fez meus dias mais coloridos, transformou minha vida em música. Eu sonhava dormindo, eu sonhava acordada. Você lá em cima, eu aqui em baixo. Você, como se quisesse que eu subisse ao palco, eu, querendo que você viesse sambar comigo no chão. Eu poderia ficar o tempo que você quisesse nessa entrega secreta e suave. Poderia desejar com toda a minha alma que o dia do nosso encontro chegasse.

Enfim, o dia chegou, como se fosse o mais esperado.

Vi você tão de perto que pude até te abraçar. Vi você vestido de gente, de pele, carne, osso, cheiro. Vi meu sonho materializado e entrei num estado de espírito que era mais que a paz: era carnaval. Você brilhava feito o sol, de dia e de noite. Você trazia alegria em cada rua que passava. A gente fazia a festa. O seu samba assim marcava na cadência os meus passos, o meu sonho se embalava no carinho dos seus braços. Você tocava para eu não parar de dançar, eu dançava mais ainda, para você não parar de tocar. E se a gente se cansava, você só seguia a diante. E a gente sorria. E a gente era feliz, e sabia. E se chovesse, e se fizesse sol, a gente não queria saber. A gente não queria saber do tempo.

Aí o tempo passou.

E eu não mais vi os seus olhos me olhando por aí, não mais ouvi sua musica me convidando a dançar por aí. Aí o mundo ficou muito grande. Aí minha vida ficou menos colorida. E o que era vidro se quebrou. O quera doce acabou. O que antes era Zé Keti agora é Nelson Cavaquinho. Hoje a gente anda distante do calor do seu gingado, você só dá chá dançante onde não sou convidada.

Mas a vida não deixou de ser musica, não senhor. O samba não vai deixar de ser na rua, de pés descalços no paralelepípedo, molhados de chuva ou escaldados de sol.. isso só não é mais para você, de salto alto em noites de gala. Ainda que eu vá sambar na pista e você de galeria, com uma bela companhia ao lado, disfarce apenas, e observe de longe o meu gingado. Com ou sem a sua música, eu não vou parar de dançar. E meus passos não sairão mais procurando você. Nem pra te ouvir nem pra te ver. Já te vesti de rei, já te vesti de gente, hoje te visto de invisível, de mais um, de ninguém.


Quem te viu, quem te vê, hein..

Aucun commentaire: