jeudi, juillet 27, 2006

Me olho no espelho muito frequentemente

E uma das coisas que da pra notar com facilidade em mim são as cicatrizes que carrego comigo. São lembranças das traquinagens infantis, das fatalidades do destino, do desastre infinito em pessoa. E são muitas, mas tem umas que sei aonde estão até de olhos fechados. Tenho uma marquinha no rosto desde criança que é lembrança de uma catapora; tenho uma mancha branca na testa de uma certa vez que me queimei com a chapinha; tem as marcas estranhas da BCG no braço direito: um risco grande e uma bolota; no cotovelo, faço coleção de cicatrizes: a da fratura exposta, a da vez que caí do muro da escola, e outras mais recentes; no pulso esquerdo, há uma queimadura que fiz com o ferro de passar roupas no meu aniversário de 13 anos, fora as de cigarro, que tem em tudo quanto é parte do meu corpo. Descendo mais um pouco, estão as do joelho: tombos (provenientes de alcool ou do meu jeito desastrado de ser) que essas marcas feias não me deixam esquecer; na perna, alguns arranhões de gilete que provam como eu era desajeitada pra cuidar de mim; entre outras tantas.

Mas, de todas elas, nenhuma chama mais atenção do que a que você deixou dentro de mim, na minha alma, no meu coração. Um carimbo que não negaria jamais que você já morou aqui dentro. Ela é invisível aos destraidos, mas se prestar atenção, da pra ve-la no meu olhar, na minha falta de esperança no amor, na minha descrença de que um dia eu encontrarei alguem, no fogo que se perdeu, e na pessoa fria que me tornei. Graças a você. Não que você quisesse me machucar, eu jamais pensaria que fosse essa sua intensão. Mas a intensidade que vinha em direção a nós, de alguma coisa que a gente nunca soube dizer o que é, era violenta. E eu não me protegí. Rasgou a pele, os lábios, os cabelos, os pelos, e tudo por dentro. Me provou que sou frágil e de carne e osso. Foi tão voráz que não me deixou pensar. Eu nem pensei em pensar. Eu nem queria pensar. Aí então me machuquei. E machuquei feio mesmo. A questão não é a dor, é a marca. A dor passa com o tempo e um pouquinho de analgésico, mas as cicatrizes permanecem.

Ao me olhar no espelho, vejo que você não está mais aqui dentro, senão a ferida estaria aberta e sangrando. Você já foi embora, isso eu tenho certeza. Mas os arrepios que você me deu não. As lembranças que você deixou em mim não. Os desejos que me obriguei a esconder em algum lugar alto que eu não pudesse alcançar, estão lá, e eu sei onde estão - todos eles fora do meu alcance. Os olhos frios distantes um dia tão certo e brilhantes, os sussurros baixinho que cá gritam bem alto, e o que eu me tornei depois que você foi embora. Você já foi embora. eu fiquei aqui sozinha, comigo, cheia de lembranças. Você já foi, isso eu tenho certeza. Mas esqueceu certas coisas aqui comigo, que não sei onde guarda-las e não dá pra jogar fora. E deixou tantas cicatrizes em mim que me disfigurou de tal forma que agora sou outra. Uma marca que não negaria jamais que você morou aqui dentro.


E a BCG do meu braço que tenho a 17 anos, e a marquinha da catapora em meu rosto que agora já faz parte de mim, me fazem pensar que isso é pra sempre.