dimanche, janvier 13, 2008

A língua que todo mundo entende.

Lapa, num sábado qualquer. Das seis da tarde às seis da manhã, depois da terceira ou quarta caipirinha, o que estava planejado para a noite é o que menos importa. Assim como já não interessa seu nome ou, muito menos, de onde você veio.

Seus encantos vão além dos blocos de rua ou da cerveja a um real no depósito, o que enche os olhos de qualquer um na Lapa não é a variedade de programações para todos os gostos, e sim a variedade de pessoas (para todos os gostos). Gente de toda cor, toda raça, toda fé, e de todos os cantos do mundo, mas todo mundo, de um jeito ou de outro, se entende.

Ela é bem brasileira. Niteroiense, para ser mais exata. Seus anos de estudante de francês na faculdade de Letras mal deixaram espaço para sua cabeça lembrar-se do inglês que aprendeu na escola. Seu apetite pela arte e pela novidade ia sendo levemente saciado a cada olhar para os lados que seus olhos davam, como se fosse a primeira vez naquele lugar. Àquela altura do campeonato, já tinham sido as treze ou catorze caipirinhas das quais eu tinha mencionado, já havia rido e dançado de tudo, já tinha visto trezentas ou quatrocentas pessoas curiosamente interessantes e conversado com, pelo menos, metade delas. A noite não podia e não merecia acabar logo.

Ele é bem gringo, e sabe lá Deus o que ele fazia sozinho na Lapa, num sábado qualquer. Norueguês, para ser mais exata. Sua alta estatura, olhos azuis, o cabelo loiro e a pele muito clara não deixava ninguém duvidar. Ele não fala uma palavra se quer em português. A propósito: nem espanhol, nem francês, nem italiano, nem língua do i, só ingles. Um ingles bêbado, cansado, mas com uma entonação que passava a mensagem de que a noite não podia e não merecia acabar logo.

Ela dançava. Ele chegou, bastante desengonçado. O funk, naquele momento, fez papel de sino e harpa que tocam ao fundo quando se conhece alguem especial. Eles se olharam. Ela sorriu. Ele sorriu. Continuaram se olhando um bom tempo. De longe, não dava pra ver direito, mas o que se percebeu quando os dois tentaram começar um diálogo foi uma sucessão de "hããã"s e "que?"s e gestos e expressões, que não mentiam: não tava dando pra comunicar mesmo porra nenhuma.

Eles tomaram uma cerveja, riram e se beijaram a noite inteira. Se entenderam muito bem.

Lapa, num sabado qualquer. Não sei se curiosamente interessante ou interessantemente curiso. Àquela altura do campeonato, trezentas ou quatrocentas caipirinhas. Já não entendia nem mais o portugês. Mas lá, de um jeito ou de outro, todos se entenderam muito bem.